19/10/2019

De Collor a Bolsonaro, as gravações que abalaram a República De Collor a Bolsonaro, as gravações que abalaram a República




Se há uma tecnologia que boa parte dos políticos brasileiros gostaria que não tivesse sido inventada é a gravação de voz. Muito antes do desconforto ao atual governo federal, causado pelas revelações nesta semana das conversas nada republicanas de deputados do PSL, fitas cassetes e interceptações telefônicas já vinham tirando a paciência e os cargos de poderosos do Brasil.

O primeiro registro que aparece de “vítimas” de gravações é de Antônio Rogério Magri,  ex-ministro do Trabalho e Previdência Social do presidente Fernando Collor de Mello, que governou de 1990 a 1992.

Em março de 1992, Magri conversou com seu assessor Volnei Ávila tentando acertar com ele uma forma de ganharem dinheiro com negócios escusos. O que não sabia o ministro é que o ex-diretor de Fiscalização e Arrecadação do INSS tinha um gravador microcassette escondido, que eternizaria trechos como este:

"Nós não vamos roubar, porque não é do nosso princípio roubar, mas nós vamos fazer a coisa direito, fazer direito e ganhar dinheiro, que essas oportunidades nós não vamos ter mais na vida não."

O episódio foi descrito pelo perito criminal Ricardo Molina em seu livro O Brasil na Fita, de 2016.

“Como o aparelho estava escondido no bolso interno do paletó de Volnei, a gravação, com mais de 50 minutos, além da longa duração, oferecia algumas dificuldades relacionadas à qualidade do áudio, que, naquela época, pareciam ainda maiores.”

Molina cita ainda que a dificuldade técnica transformou em uma maratona de semanas um laudo que atualmente seria feito “em dois ou três dias”.

O ministro acabou demitido por Collor, mas antes desse episódio cunhou algumas de suas frases antológicas. Ao defender o Plano Collor, definiu-o como “imexível”. Para justificar o uso de um carro oficial para transportar seu cão ao veterinário, cravou, sem pensar duas vezes: “Cachorro também é ser humano”.

Em 2000, Magri foi condenado a dois anos de prisão ou pagamento de pena alternativa, após ser acusado de corrupção passiva.

Com o gravador de sua secretária eletrônica, o ex-deputado Sebastião Curió registrou conversas que manteve com Paulo Cesar Farias, tesoureiro do presidente, e com um diretor da Mercedes-Benz, que ajudou a financiar sua campanha eleitoral em 1990 com US$ 123 mil.

Em 1994, o Supremo Tribunal Federal rejeitou as fitas como prova.

Fernando Henrique

Pelo menos dois episódios agitaram o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2001).

Grampos colocados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no BNDES mostraram diálogos comprometedores do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e André Lara Resende, presidente do banco de fomento.

Nas tramas vazadas pela imprensa, articulava-se o apoio do fundo de pensão Previ para beneficiar o consórcio do Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, na disputa da companhia de telecomunicações Tele Norte Leste, privatizada.

FHC, em um dos trechos revelados em novembro de 1998, teria autorizado o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão.

Mendonça de Barros, André Lara Resende e outros 13 réus acusados pelo Ministério Público Federal de improbidade administrativa foram absolvidos pelo Tribunal Regional Federal por falta de provas.

Um ano antes, outra gravação, esta de um empresário do Acre que se dizia acuado pelos parlamentares do estado João Maia e Ronivon Santiago, colocou fogo na passagem do primeiro mandato de FHC.

Segundo as conversas gravadas, os deputados admitiam ter recebido R$ 200 mil do ministro das Comunicações da época, Sérgio Motta, em troca do apoio ao governo à emenda que liberava a reeleição do presidente.

De acordo com a denúncia, os deputados que aceitavam negociar o voto avisavam o presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, que levava a lista para o ministro.

A emenda foi aprovada em janeiro de 1997, Fernando Henrique foi reeleito e o caso jamais avançou na Justiça.

Era petista

Vieram os governos petistas e as gravações, letais, mas de alcance limitado, tornaram-se bombas nucleares.

Em 2005, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, uma câmera escondida mostrou, em vídeo, o chefe do departamento de Contratação dos Correios, Maurício Marinho, recebendo propina de R$ 3 mil em nome do deputado federal Roberto Jefferson (PTB).

Era dado assim o passo inicial para o primeiro grande esquema de corrupção dos governos petistas, o Mensalão, detalhado pouco depois pelo mesmo Roberto Jefferson em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

E então veio o segundo grande esquema de corrupção, inicialmente restrito à Petrobras, mas estendido à Odebrecht e a outras empreiteiras, incluindo diversos nomes do governo federal e políticos de quase todos os partidos do Congresso Nacional.

Com a Lava Jato, multiplicaram-se áudios devastadores para reputações e para o governo de Dilma Rousseff (2011-2016).

No fim de 2015, o ex-senador do PT Delcídio do Amaral foi preso preventivamente depois de tentar oferecer dinheiro a Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, preso pela Lava Jato. A intenção do petista, que estaria a mando de ministros de Dilma, era calar o ex-diretor da Petrobras e lhe oferecer um plano de fuga.

Delcídio só não sabia que Bernardo tinha um gravador escondido no bolso. Com a prisão preventiva do petista, outro flagrante abalou novamente Brasília. José Eduardo Marzagão, assessor do ex-senador, gravou o ministro da Educação Aloizio Mercadante prometendo ajuda a Delcídio em troca de seu silêncio, afinal ele cogitava (o que se confirmou futuramente) fechar acordo de delação premiada.

Em março de 2016, depois de autorizar a condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal, o juiz Sergio Moro, disponibilizou um áudio contendo uma conversa da então presidente com o ex-presidente Lula sobre um termo que o nomearia ministro da Casa Civil, para evitar que sua prisão preventiva. 

O detalhamento da conversa foi destaque nos telejornais da noite e do dia seguinte, com as falas de Lula e Dilma negociando uma forma de manter o ex-presidente fora das grades. 

"Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.

Lula: Fala querida. 

Dilma: Seguinte, eu tô mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!

Lula: Uhum. Tá bom, tá bom."

Com o governo Dilma já paralisado e prestes a ser impedido de continuar definitivamente, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado gravou uma conversa conspiratória com o então ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB-RR). Ambos eram investigados pela força-tarefa da Lava Jato.

Jucá virou assunto em portais e em todas as TVs do país dizendo que era hora de “estancar a sangria” feita pela Lava Jato. 

Machado diz na conversa que “a solução mais fácil [naquele momento] era botar o Michel [Temer, na Presidência]”. E Jucá complementa afirmando que, com a mudança, seria garantida a tranquilidade, “com o Supremo, com tudo”.

Resultado de imagem para fotos de gravador de fita cassete

Michel Temer

Veio Temer, como queria Jucá, e com ele novos abalos.

Em novembro de 2016, o ministro da Cultura Marcelo Calero pediu demissão. E saiu disparando.

Ele disse ter sido pressionado pelo governo a liberar uma obra na Bahia do interesse do titular da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, e gravou conversas sobre o assunto com Michel Temer e dois de seus assessores, além do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Temer não aprendeu nada com o episódio Calero.

Em maio de 2017 vazou um diálogo de dois meses antes do presidente com o empresário Joesley Batista, do grupo J&F.

Na conversa, Joesley cita que estava mantendo os pagamentos pelo silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso. Como resposta, Temer usa a frase que marcou essa passagem da história recente: 'Tem que manter isso ai, viu?'

Preso e disposto a delatar quem pudesse, Joesley não estava para brincadeira. Com o aparelhinho improvisado que abalou o governo Temer, ele também gravou o tucano Aécio Neves, um dos principais nomes do PSDB no Senado.

No áudio, Aécio e Joesley acertam o pagamento de R$ 2 milhões para pagar advogados que defendem o tucano.

Bolsonaro

Na quinta-feira (17), uma sequência de áudios abalou o PSL, partido de Bolsonaro. O dia começou com gravações do próprio presidente negociando a mudança do líder da legenda na Câmara dos Deputados, Delegado Waldir (GO) por seu filho, Eduardo Bolsonaro (SP).

Mais tarde, vazou uma reunião na qual Delegado Waldir afirmou que pretende “implodir” Bolsonaro após descobrir a tentativa do presidente de tirá-lo do cargo.

Redação com R-7