24/10/2018

Perdido na guerra de conceitos? Especialista explica o que são fascismo, liberalismo e comunismo Perdido na guerra de conceitos? Especialista explica o que são fascismo, liberalismo e comunismo




No debate político em torno das eleições presidenciais de 2018, muitos eleitores têm falado sobre temores em relação a diferentes sistemas políticos, como comunismo, fascismo, liberalismo e social-democracia. Mas será que todo mundo conhece os conceitos desses termos tão complexos e estudados por teóricos de todo o mundo?

Para tirar dúvidas sobre os conceitos desses termos e a aplicação deles no mundo contemporâneo, conversamos com Antônia Montenegro, professora de política e sociologia na PUC-Minas. Ela é doutora em sociologia, com ênfase em gestão pública e participação social. Confira as explicações sobre cada um desses tópicos.

Comunismo

Segundo a teoria, o comunismo seria um sistema em que não haveria propriedade privada, porque os bens seriam de todos os indivíduos, e não haveria Estado da maneira como compreendemos. Nesse sistema, tudo pertenceria a todos e as decisões seriam tomadas por todas as pessoas, de forma comunal.

De acordo com Antônia Montenegro, o comunismo -  conforme o estabelecido pela teoria - nunca foi implementado no mundo. Houve experiências socialistas (segundo Karl Marx, um estágio intermediário até o comunismo) na União Soviética e em Cuba, por exemplo. Mas a China, segunda maior economia do mundo hoje, tem características particulares, pois segue as regras do mundo capitalista empresarial. 

“A China é uma economia estatizada, se apresenta muito mais como um capitalismo estatal do que como comunismo. A economia obedece às regras do mercado mundial, só que de forma estatizada”, explica a professora. “O Estado é autoritário e abarca todas as dimensões da vida dos cidadãos, mas isso acontece também em ditaduras que não são de orientação comunista, como a Arábia Saudita”, aponta a professora, lembrando que o lucro das empresas chinesas não é convertido, necessariamente, em benefícios para o povo chinês. 

O ideário socialista hoje está presente em poucos lugares do mundo, como Coreia do Norte e Cuba. E não é possível associar o conceito de comunismo ou socialismo a países vizinhos, como Venezuela e Bolívia, por exemplo. “São países onde continua existindo a propriedade privada, a sociedade é capitalista. O Estado atua nas políticas econômicas, mas isso nem se aproxima de um conceito comunista. Esses países não se aproximam sequer de Cuba”, explica a professora.

Para ela, não faz mais sentido, em qualquer lugar do mundo, falar-se em um perigo comunista. “Depois de 1989 (ano da queda do Muro de Berlim), houve uma quebra nas referências comunistas. No mundo contemporâneo, não cabem mais as teorias do socialismo. A vida prática traz complexidades que a teoria não abarca”.

Liberalismo

O liberalismo tem duas perspectivas: econômica e política. O primeiro ponto de vista trata da livre iniciativa e da liberdade de competição entre os indivíduos, desde que haja uma situação perfeita, sem grandes monopólios e outras formas que impeçam uma concorrência justa.

Já na dimensão política, o liberalismo preza pelas escolhas individuais e liberdade de expressão. Por entender que as pessoas fariam as melhores escolhas, o Estado seria mínimo, com pouca interferência na dinâmica da sociedade.

Mas nem os Estados Unidos, sempre citados como exemplo maior do liberalismo, trabalham plenamente a ideia de Estado mínimo. “Para não haver interferência do Estado, é preciso partir do pressuposto que estamos num mesmo patamar de igualdade. E isso não é verdade, as condições são desiguais. Os Estados Unidos garantem, por exemplo, educação gratuita de qualidade para todos até determinada etapa. É o Estado garantindo condições para que todas as pessoas possam se garantir como indivíduos. O sistema capitalista sabe que, se houver um grande desequilíbrio entre os cidadãos, não irá se sustentar”, explica a professora, lembrando que o país mais rico do mundo também atua fortemente para evitar monopólios.

Neoliberalismo

Até John Locke (1632-1704), o pai do liberalismo, já tratava das diferenças de condições entre os indivíduos em sua obra. Do século XVII até hoje, o liberalismo foi tema de muitos outros teóricos e a sociedade capitalista o absorveu de diversas maneiras.

O que chamamos de neoliberalismo surge no contexto da crise do Estado de Bem Estar Social (um caminho traçado por muitos países após a Segunda Guerra Mundial), apresentando maior negação dos direitos sociais promovidos por um governo. A ideia principal é retirar o Estado da atividade econômica, por meio de privatizações, e reduzir os impostos das empresas.

Também acredita-se que todos os serviços de feição pública poderiam ser regidos e ofertados pelo mercado, sob o pressuposto de que, pela lógica da concorrência, os custos desses serviços iriam cair e, sendo assim, todos poderiam pagar por eles. “A grande questão é que o mercado é regido pelo lucro, então determinados públicos que não poderiam pagar por serviços não teriam acesso a eles”, explica Antônia.

Para a professora, entregar à iniciativa privada setores estratégicos pode trazer grandes prejuízos sociais. “No neoliberalismo, há uma forte ênfase nas privatizações de toda ordem. Até da redução do papel do Estado em áreas vistas pelos liberais como importantes, como a segurança. Aí você tem presídio gerido pela iniciativa privada que faz da tragédia humana um negócio. Nas experiências americanas e inglesas nesse aspecto, houve casos de corrupção para aumentar os ganhos com o número de presidiários”, opina.

Social-democracia

A social-democracia acontece em países capitalistas onde o Estado é muito atuante junto à sociedade. Diferentemente do que muitos acreditam, a social-democracia não visa políticas sociais para grupos específicos, mas, sim, políticas públicas universalizantes – independentemente de classe social ou faixa etária.

Os principais cases de sucesso em relação à social-democracia são os países nórdicos, como Suécia e Dinamarca. Nessas nações, há uma grande carga tributária, mas todos são beneficiados com as mesmas ofertas de educação, saúde, lazer etc. No Brasil, a política pública que mais se aproxima da social-democracia é o Sistema Único de Saúde (SUS). “Se você precisar de um transplante de coração no Brasil, por exemplo, mesmo que tenha plano de saúde de primeira linha, fará a cirurgia pelo SUS”, explica Antônia.

Fascismo

Para Antônia, o termo fascismo não é relacionado apenas ao sistema político empregado na Itália por Benito Mussolini nas décadas de 1920 e 1930. “O fascismo é um modo de enxergar o mundo, vai além do momento histórico, ainda que tenha tido especificidades na Itália. Esse tema antecede Mussolini, por sinal”, explica.

Segundo a professora, o fascismo é determinado por um nacionalismo exacerbado e um autoritarismo que nega a diversidade da sociedade. “O fascismo tem na bandeira a expressão máxima do nacionalismo e a ideia de que a nação existe por si só. É como se não fosse feita por pessoas diferentes. Se algo vai contra a bandeira, contra a nação, é rechaçado de forma ditatorial. Os modelos fascistas trabalharam com a ideia de aniquilação da ameaça”, finaliza.

Redação com Cinthya Oliveira do Hoje em Dia